Lidando com profissionais em formação

Estagiários e juniores costumam ser novos entrantes no mercado de trabalho, como eu fui. Comecei minha carreira aqui, na Globo.com, como um estagiário de desenvolvimento de software. Durante meu estágio aprendi – tanto por exemplos e contraexemplos – algumas características importantíssimas ao processo de aprendizado para uma função. Creio que esse conhecimento adquirido possa fomentar discussões e mudanças em outros ambientes de trabalho que, certamente, se beneficiariam tanto em produtividade quanto em moral.

Desmistificando crenças do mercado de trabalho

Mas antes de conversarmos sobre essas características, devemos desmistificar algumas crenças do mercado de trabalho que são extremamente danosas tanto à carreira desses novos profissionais quanto à própria empresa que os embarca.

1 – “Estagiários e juniores são mão-de-obra barata.”

Estagiários e juniores não possuem experiência nem conhecimento necessários para substituir um profissional sênior no ambiente de trabalho. O desconto que uma empresa recebe quando imputa a responsabilidade de um sênior à um novo entrante ao mercado é ilusório, porque o resultado do trabalho também terá seu valor descontado.

Além desse desconto ser ilusório, a empresa pode estar criando um dívida técnica* que se acumulará como uma bola de neve, e em algum momento pode se tornar insustentável. É possível que se gaste muito mais dinheiro para reverter esse cenário do que o se gastaria tendo um sênior competente na equipe/empresa.

*dívida técnica é definido, por Martin Fowler, como deficiências na qualidade interna de um sistema que torna difícil a modificação e extensão desse sistema. O termo foi criado por Ward Cunningham, pioneiro em design patterns para software.

2 – “Estagiários e juniores devem ser medidos pela produção.”

Quando se condiciona a performance de um estagiário ou de um junior a partir do que ele produz e não o quanto ele aprende, tende-se a estagnar a evolução do profissional em formação em níveis superficiais. Ao recompensar apenas a produção, deixando de lado a agregação de conhecimento, cria-se profissionais que nunca alcançarão os requisitos necessários para atingir a senioridade técnica dentro da empresa.

Ao incluirmos o conhecimento na avaliação do novo profissional, podemos observar diversas características inerentes a um bom profissional além do conhecimento agregado, como disciplina e organização, capacidade argumentativa e interrogativa, comunicação e dedicação. Afinal, esse estagiário ou junior estará adquirindo conhecimento também se relacionando com seu mentor. Logo, além de medir o conhecimento adquirido, também poderemos medir o potencial daquele profissional dentro do ambiente empresarial.

Além dos benefícios para a empresa, existem também os benefícios para esse estagiário ou junior. Como a carreira dele está no início, ter um espaço favorável para o seu crescimento, sem altíssimas cobranças quanto ao que produz, é um ponta-pé inicial fortíssimo. Ter acesso à profissionais seniores dispostos a ajudá-lo e um ambiente favorável ao aprendizado torna seu caminho muito menos tribulado e mais ágil para seus próprios objetivos. Profissionais com ambições de crescimento em carreira técnica e empresas que pavimentam um caminho sólido do início ao final costumam ser um “match perfeito”.

3 – “Estagiários e juniores devem aprender como eu aprendi: na marra.”

É muito comum em nossa cultura a valorização do aprendizado pelo sofrimento. De fato, pessoas que sofreram em suas vidas aprendem habilidades que pessoas que não sofreram o mesmo demoram mais a aprender (a Regina Hartley, uma expert em Recursos Humanos fez esse TEDTalk sobre contratação de pessoas neste perfil). Porém, isso não significa que o aprendizado através dos erros e exemplos de outros deva ser desvalorizado.

Ao guiar alguém no caminho dos seus erros ao acerto, pressupondo que esse alguém esteja engajado no aprendizado, acelera-se o processo de evolução desse profissional. Como ele não perderá tempo com problemas que alguém já viveu, sobrará mais tempo para que ele aprenda com problemas e erros que ninguém à sua volta experienciou. Logo, quem antes guiou esse estagiário ou junior, poderá também ser guiado e aprender algo novo.

No fim, tanto a empresa quanto os pares ganham. A empresa em conhecimento adquirido e os pares, em sua evolução profissional.

Características de uma empresa boa para novos profissionais

Após essa desmistificação, podemos então discorrer um pouco sobre as características que considero cruciais em uma cultura empresarial que esteja engajado na mentoria e formação de um novo profissional.

1 –  Segurança para errar

Um ambiente punitivo ao erro é um ambiente que não costuma valorizar o conhecimento adquirido com o erro. Mostrar ao estagiário/junior que lhe é permitido errar, o torna mais seguro a se aventurar e explorar novas competências e conhecimentos. A mentoria, aqui, é fundamental. Afinal, quem o guiará para consertar seu erro serão seus pares seniores.

2 – Tornar discussões técnicas convidativas

É comum passear por uma empresa e observar times discutindo tecnicalidades com jargões e ciências profundas enquanto seus juniores ou estagiários, apesar de presentes, estão mudos. De fato, é possível que essas pessoas consigam absorver algo daquela discussão, mas nem todos possuem uma capacidade de abstração grande.

Tem um ditado popular – que não me recordo ao certo – mas que diz algo como “se você consegue explicar para uma criança um assunto, você domina aquele assunto”. Diminuir o tom técnico de uma discussão quando possível, traz o conhecimento de uma forma muito mais palatável para quem não possui ainda a técnica necessária.

Respeitando também os limites sociais das pessoas (afinal, nem todo mundo tem tendências extrovertidas), podemos perguntar diretamente ao estagiário ou junior sobre a opinião dele ou até mesmo se ele está entendendo o rumo da discussão. Só o fato de demonstrar que o time dá importância à voz e entendimento dele, o torna seguro para se engajar nas discussões.

3 – Dar domínio sobre o produto

Para exemplificar, vou contar uma experiência que eu tive quando estava trabalhando no time que cuidava do Tempo Real do Globoesporte. Havia um erro no código que causava um impacto visual esquisito em algum dos componentes da página. Tomei a iniciativa de consertá-lo e, depois de um tempo, consertei e mostrei pros meus mentores. Todos viram que de fato eu havia consertado, mesmo com o código que eu havia criado não sendo o maior exemplo de boas práticas.

Colocamos o código que eu fiz em produção, e vi funcionando ao vivo, para o Brasil inteiro, o que eu tinha consertado. Senti bastante firmeza em mim mesmo e na minha capacidade de resolver problemas. Logo após isso, meus mentores sentaram comigo e me perguntaram como eu poderia melhorar aquele código que eu acabei de criar. Depois de pensar, sugeri algumas mudanças e eles também apontaram algumas falhas. Melhoramos o código juntos e colocamos de volta em produção.

Aprendi novas boas práticas ao mesmo tempo que ganhei domínio sobre o produto que o time cuida. A partir dali, me senti muito mais confortável em por a mão na massa no dia-a-dia, e junto da nova confiança adquirida, tive espaço para evoluir da mesma forma que eu evoluía o produto. Eu ganhei e a empresa ganhou.

4 – Cultura de feedback

Mantendo sempre em mente que devemos saber dar e receber um feedback (existem técnicas específicas e treinamentos para isso), uma cultura de feedback é mais do que uma reunião de um para um institucionalizada. Ela é vivida no dia-a-dia, nas pequenas e grandes coisas. Quando um estagiário ou junior completa com excelência uma tarefa, um feedback do time, nas próprias baias mesmo, é muito mais valioso do que um elogio.

Dizer “muito bom trabalho!” é um elogio. Dizer “você criou uma suíte de testes que cobre não só todo o código, mas com uma simplicidade de leitura muito boa, parabéns!” é um feedback. A idéia é evidenciar e expôr o que tornou, de fato, aquele trabalho/entrega digno de um elogio.

Essa evidenciação é importante para que, quando a pessoa for pensar em retrospectiva sobre o que é esperado de um bom trabalho, esteja marcado em sua mente o que foi que tornou aquilo um bom trabalho. Isso também vale para o outro lado, onde não foi feito um bom trabalho e apenas dizer “não ficou legal” é apenas desmotivador e nem um pouco construtivo.

Por fim, creio que tendo em mente a construção de um ambiente seguro, convidativo ao novo profissional para interagir e com uma cultura sólida de feedbacks, os benefícios tanto aos mentorados, aos seniores e à empresa são ímpares.

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